O Que Diferencia o Turismo Indígena de Outras Iniciativas de TBC?

O TBC consiste numa iniciativa coletiva, de um grupo representativo da comunidade – e não apenas de uma ou duas famílias que pretendem gerar renda. O TBC não precisa envolver diretamente toda a comunidade, mas as decisões, a distribuição das oportunidades de trabalho e os benefícios coletivos devem ser discutidos por todos.
 
O diferencial, além de ser um turismo no qual os indígenas estão à frente, é que as operações são estruturadas a partir das dinâmicas tradicionais de uso do território, respeitando assim os modos de vida de cada povo. Por exemplo, as trilhas são locais sagrados para alguns povos, e a forma de chegar, de caminhar, onde se pode ir, quem deve acompanhar e que histórias e conhecimentos estão associados àquele local está de acordo com seus costumes e tradições. E o ecoturismo deve respeitar estes costumes. O turismo indígena possibilita que a comunidade garanta que parte do recurso financeiro seja utilizada na proteção territorial e no desenvolvimento comunitário, com as comunidades e aldeias controlando todo o processo.
 
Acreditamos, conforme aprendemos com os parentes, que nas iniciativas de turismo indígena a organização das experiências de visitação parte da relação ancestral de cada povo com o território e os roteiros buscam compreender essa forma de ser e estar no mundo. No território indígena é impossível dissociar Natureza e Cultura. Este aspecto pode ser observado até mesmo nas experiências de turismo indígena de pesca esportiva, onde a área e o rodízio de lagos para uso no turismo são organizados depois de discutir o manejo integrado do território, a partir das práticas e conhecimentos tradicionais – como por exemplo o respeito a lugares sagrados e de reprodução dos peixes, bem como as diversas dinâmicas de uso de cada área e os calendários tradicionais.
 
As iniciativas pioneiras de turismo indígena demonstram ainda que a organização da visitação associada à gestão do território é uma questão fundamental que pode determinar o sucesso do projeto. Essa perspectiva possibilita que a própria seleção de atrativos e formatação do roteiro promovam aspectos dos modos de vida e gerem retorno que atendam aos objetivos maiores e específicos como a gestão territorial e a garantia do bem viver das comunidades envolvidas.
 
Serras Guerreiras de Tapuruquara é uma iniciativa no médio Rio Negro, Amazonas, estruturada a partir da normativa da FUNAI e premiada pelos resultado inovadores na gestão comunitária e sua articulação direta com os objetivos de impacto social no território, com destaque para a revitalização cultural e autonomia. As soluções encontradas pelas comunidades e suas associações ACIR e FOIRN são apresentadas nesta publicação e foram incluídas entre os nove estudos de caso do turismo indígena na América Latina, realizado pela Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (UNWTO).
 
As reflexões sobre o planejamento e gestão do turismo indígena trazem recomendações para que os gestores públicos e parceiros possam atuar na promoção de destinos e iniciativas responsáveis e sustentáveis.
 
Em outubro de 2022, o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) promoveu um encontro de TBC com foco na gestão territorial e ambiental com 22 organizações de 4 regiões do Brasil, com a participação de lideranças representativas de 5 quilombos e de 9 povos indígenas protagonistas do TBC. A partir da troca de experiências e reflexão dos aprendizados vivenciados pelas diferentes iniciativas, o encontro gerou A Carta de Arraias, que reuniu recomendações para superar desafios primários de: infraestrutura, comunicação, energia e acesso aos destinos; capacitações e investimentos para a formatação dos roteiros e parcerias responsáveis para a comercialização. Se quiser saber mais, pode ler a carta na íntegra, na Revista de Ecoturismo Brasileiro (v. 15 de novembro de 2022).
 
O turismo desenvolvido em territórios indígenas e quilombolas é necessariamente organizado em um modelo de base comunitária e, em maior ou menor medida, a escolha da narrativa, dos atrativos e mesmo os aspectos capazes de engajar toda a comunidade no empreendimento estão necessariamente embasados pelos objetivos e planos de vida coletivos, pela perspectiva ancestral de como se deve ser e estar naquele território e assim poder reproduzir esse modo de viver.
 
Quando se trata do turismo indígena – e até mesmo do turismo quilombola – é preciso considerar que estas comunidades se organizam e se relacionam com o território a partir de regras que são ancestrais, ensinadas de uma geração para a outra e orientadas por características únicas daquele povo.